Título: O garoto da casa ao lado
Autora: Irene Sabatini
Editora: Nova Fronteira
- Então agora a droga de um desenho virou racista - disse ele, acomodando-se na cadeira muito estreita.
- Não só os desenhos, Ian. Contos de fadas, folclore, filmes; como é possível que o mal seja sempre negro? Como é possível que o rei leão, o menino, o que seja, tenha o sotaque americano da moda, enquanto...
- Lindiwe, é um filme americano, e o rei leão era o personagem principal. Simba, Mufasa, olha só, nomes africanos, e eu gostei demais daquele calau, qual é o nome? Zaza... Nem acredito que estou tendo uma conversa sobre a droga de um desenho.
- O ponto é justamente esse, Ian. Nomes africanos, tudo bem, para animais africanos e tal, e, então, por que não sotaques africanos? A história se passa na África, mas não, eles não podem deixar que o rei leão, o mandachuva, seja africano, e não venha dizer que isso é só uma droga de desenho; o problema são as mensagens, a filosofia, é a imagem...
- Lindiwe, e se a gente vir a coisa de outro jeito? O babuíno, e nem tenho certeza se é um babuíno, mas, enfim, o babuíno é o ancião sábio, a mãe, quer dizer, o Pai África, o berço da civilização. E o cara era um babuíno majestoso pra cacete. (p. 269-270)
A capa de "O garoto da casa ao lado", e mesmo seu título que nos remete à Meg Cabot, são enganosos. Eles nos passam uma ideia de um romance água com açúcar, com muitas emoções e fofuras. O livro tem um pouco disso, em parte ele é "um romance inesquecível sobre as dificuldades e a descoberta do amor", mas ele não é só isso. Ele é mais cru e pesado do que se poderia supor e relata todos os altos e (muitos) baixos de um relacionamento entre uma negra e um branco no Zimbábue pós-independência.
Quando Lindiwe é adolescente, seu vizinho é acusado de atear fogo na madrasta. O garoto é preso, mas liberado depois de um tempo. Apesar de suas diferenças, os dois jovens acabam se aproximando.
Lindiwe sabe muito bem o que é o racismo: sempre foi alvo de risadas maldosas de suas colegas brancas, sempre recebeu olhares de desprezo por aí. Ian tenta ignorar essas coisas e não leva a vida tão a sério.
O período abordado, dos anos 80, logo após a independência, ao final dos anos 90, mostra um país instável politicamente, que tenta construir sua identidade e que agora tem uma maioria negra que conquistou o poder. O livro mostra bem as expectativas dos zimbabuanos em relação ao seu país e a decadência que ele atingiu, devido a um governo totalmente corrupto e violento. É um pano de fundo bem confuso para os que não conhecem muito da história do Zimbábue (e isso inclui eu), mas é interessante.
A autora tenta formar um quadro bem abrangente do Zimbábue e de seus problemas: epidemia de AIDS, decadência das cidades, aumento da criminalidade, revoltas populares que acabam em violência, conflitos raciais. Toda essa decrepitude acaba contrastando com a vida relativamente bem-sucedida (apesar de todos os problemas enfrentados) dos personagens ao final. E isso acabou me deixando com um gosto amargo na boca, porque acabei me apegando mais ao "personagem" Zimbábue do que aos personagens propriamente ditos. Apesar de ela tentar deixar um fiapo de esperança, achei o final meio depressivo para o país.
Recomendo o livro a todos que se interessem pela política e história do Zimbábue e por questões raciais e a quem quer ler um livro africano (Desafio Literário de novembro, oi) sem ter que mergulhar em muitos "exotismos", tradicionalismos e tal, e sem fugir tanto de sua zona de conforto porque, afinal, é uma história de amor, bem atual e narrada de forma "ocidental", por assim dizer.
O título é realmente igual ao do livro da Meg Cabot, mas a trama é bem diferente. Não conheço a história do país. Na verdade, o pouco que sei da África vi em filmes, a maioria de origem americana. Boa dica.
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